Com a manhã também deixando o Sul do Chile, despedi-me de Puerto Montt. A viagem agora é para Bariloche, atravessando os Lagos Andinos. Embarquei no catamarã, acompanhada apenas das minhas melhores expectativas. Viajar sozinha é para quem sabe. Poucas pessoas tiram proveito da própria companhia e se dão ao luxo de fazer o que quiser, a qualquer momento.
É claro que, a qualquer momento, pode surgir a necessidade de compartilhar as sensações da viagem com quem está próximo, e aí está outra grande vantagem das viagens solo: a oportunidade de fazer novos amigos. Ainda há pouco, o curto trajeto de ônibus que me levou até o píer do Rio Petrohué, apresentou-me um casal de austríacos em lua de mel; um fazendeiro texano, que mora em Campo Grande e fala um português perfeito; e uma dupla de espanhóis que resolveu conhecer toda a América do Sul.
O catamarã acelerou, Puerto Montt virou um cartão-postal e uma tempestade desabou. O lago encrespou-se, ganhando uma nova cor, com matizes de azuis oceânicos e aspecto glacial. A natureza preencheu o entorno com bosques, quedas d’água e picos afiados cobertos de neve. Mesmo sem querer perder um centímetro da paisagem, não consegui evitar a melodia monótona do motor que, combinada à da tranquila conversa dos espanhóis, com os austríacos e o texano, acabou se transformando num poderoso sonífero.
Embarquei num cenário, depois em outro, fui levada por uma sequência de visões que se fundiram aos meus pensamentos e só me dei conta de que havia caído num sono profundo quando os austríacos me despertaram para contemplar o melhor momento da travessia. A chuva tinha ido embora. As nuvens, baixas e opacas, cobriram de cinza as montanhas e derramaram-se sobre o verde denso da floresta, desaguando sobre nossas cabeças, bem ao lado de uma coleção de cascatas que davam vazão a uma abundância de sons e formas liquefeitas. Rumo a Bariloche, apenas confirmei o que já sabia. Viajar sozinha é uma delícia, mas é sempre bom ter algum amigo por perto."
